O sustento tirado do lixo
Trabalhador da cooperativa operando a prensa
Fotos e texto: Alline Massuca
Entrevistas com catadores em cooperativa do Humaitá, Rio, em 2005.
Luiz, 34 anos, morador do morro Dona Marta em Botafogo, é catador há um ano. Antes disso, trabalhava como sorveteiro em restaurante, hoje ele vive da reciclagem e também como ajudante de obra, retirando entulho e fazendo a limpeza. Ele revela que se souber trabalhar direitinho dá pra viver somente da latinha. “ Dá pra arrumar um qualquer se souber dar valor e economizar direitinho.”
Ele não tem família, segundo ele, é um cara solteiro, que por dia arruma de 30 a 70 reais com a venda do material recolhido. “Quando a coleta ta boa é 70, quando ta ruim é 30”. Para ele os melhores dias são segundas, quartas e sextas-feiras, dias de reciclagem.
-Os restaurantes ajudam os catadores?
“ Ele não ajudam, eles negociam e vendem pra gente, a gente tem que dar um dinheiro por fora pra poder pegar a mercadoria deles, porque senão eles ficam com tudo pra eles, mas a gente conquista na conversa boa e dá um dinheiro pra eles e pega a descarga pra gente”
-Qual a maior dificuldade que você enfrenta na profissão?
“Eu acho que todo trabalho que eu tenho, eu tenho que enfrentar. Porque eu não posso ficar parado”
-Você é cooperado?
“ Eu não sou cooperado porque eu mesmo trabalho pra mim e estou levando “valor”, mas o cooperado também é a pessoa que traz a descarga só pra cá, mas como o carrinho é meu eu posso jogar a descarga pra qualquer lugar. Só que eu não traio a casa, eu trago só pra cá. Eu podia ser cooperado mas o carrinho é meu e eu posso trabalhar em qualquer lugar, mas sou um cara fiel e venho só pra cá.”
-O cooperado tem alguma garantia?
“ O cooperado tem uma garantia assim,quando ele adoece o cara sabe que ele tá doente, quando ele não vem porque não quer o cara sabe que ele tá matando o serviço.
-Então não tem garantia?
“ Não tem porque não precisa assinar carteira porque o que a gente faz é biscate, e biscate não pode assinar carteira, agora se eu tiver trabalhando na casa(cooperativa do Humaitá, onde foi feita a entrevista), mas eu trabalho pra mim.
-Neste momento a entrevista é interrompida por um dos funcionários da cooperativa.
Flávio, 27 anos, que trabalha internamente na cooperativa há seis anos recolhendo o material que chega, e diz nunca ter sido catador, se preocupa em esclarecer que o cooperado não pode ter carteira assinada. “ O cooperado é o seguinte: ele recebe a porcentagem do lucro do final do ano. É feita uma divisão desse lucro, e ele tem direito também a uniforme, tudo bonitinho. Ele é obrigado a vender. Quanto mais ele vender é melhor pra ele. Já ele( Luiz) se achar que o preço ta melhor ali na frente ele vende, ele não tem vínculo nenhum com ninguém”.
Voltando para Luiz:
-Você pode me dar uma média de quanto você ganha por mês?
“ A média, se juntar tudo mesmo, vai dar pra arrumar 700 reais. Se eu pegar o dinheiro todo que eu arranjo num mês dá pra arrastar de 700 a 800 reais. É melhor do que tá trabalhando em certas casas.”
-Você pretende largar essa profissão?
“ Ah não, o cara do restaurante já me chamou pra trabalhar mas eu não to afim de largar o meu trabalho agora pra ir trabalhar em restaurante. As “casas”(restaurantes) que eu trabalhava, eu sai tudo na confiança. A hora que quiser voltar é só pedir que eles me dão serviço, mas eu não to dependendo de trabalhar em empresa (restaurante).
-O que a sua família pensa disso?
“ A família é cada um na sua, entendeu? Se precisar eu chego na hora. Eu já fui um cara que joguei muito, perdi dinheiro a toa. Agora é só economizando, só depende de mim agora. A faca e o queijo estão na minha mão.
-Você acha que a Prefeitura pode fazer mais alguma coisa para incentivar a profissão?
“ Eu não tenho nada contra a Prefeitura, porque ela colabora muito com o meu trabalho, entendeu? Eu não posso jogar nada na rua que dá multa, mas tudo que eu levar lá pra dentro, eles não podem nem insistir que eu não posso entrar, porque se eu fizer os trabalhos bonitinho e organizar tudo eu não tenho problema com eles.”
-Qual o lugar que tem a maior concentração de latinhas?
“ Pra mim é a área de Botafogo. Eu tenho confiança de trabalhar em qualquer lugar mas a área que eu trabalho mais é aqui.
_ Em que lugar especificamente, praia, show?
“Em show não tá dando nada porque tem muito catador. Aí não dá nada pra ninguém. A latinha tá mais devagar, mais sumida porque todo mundo tá juntando.”
José Afonso durante a entrevista na Cooperativa
José Afonso Correia, 50 anos, cooperado.
_Há quanto tempo é catador?
“Oito anos”.
-Você pensa em mudar de profissão?
“Não penso em mudar de profissão. Eu sustento a minha família com as latinhas, ganho de 480 a 600 reais por mês, e por dia tiro 25, 30 Reais. Essa é uma profissão como outra qualquer, como médico, aviador e bombeiro. Eu pago meu INPS. Antes eu trabalhava no CEASA como carregador e também como gesseiro, que foi a profissão que meu pai me ensinou”.
-Qual a melhor época para o catador?
“Natal, ano novo e dia das mães, que é a época que aparece muita mercadoria”.
-Qual mercadoria dá mais dinheiro?
A latinha é o que dá mais dinheiro, mas é mais difícil.
-A Prefeitura ajuda os catadores?
“ A Prefeitura não ajuda muito a gente, os guardas municipais tratam os catadores como se fossem vagabundos, muitas vezes agredindo a gente e levando nossos carrinhos durante a noite. Depois que o César Maia entrou, as promessas que ele fez não foram cumpridas”.
*José tem quatro filhos, um menino e três meninas.Ele só concluiu o ensino primário e revela que essa é a profissão que ele mais se adaptou.
Edson, gerente da cooperativa:
_Qual a vantagem de ser cooperado?
“A vantagem é que o cooperado no final do ano participa da sobra que é uma porcentagem do lucro do ano todo”.
_Como é feita a divisão?
“Cada cooperado ganha uma porcentagem desse valor de acordo com o que ele produziu no ano. Por exemplo, o que produziu cinco mil Reais no ano, vai ter participação maior do que o que produziu duzentos Reais.”
_Ha quanto tempo existe reciclagem através das cooperativas incentivada pela Prefeitura?
“Na época do incentivo eu não estava aqui, mas ela foi organizada pelos próprios catadores e recebeu apoio da Prefeitura. A vantagem do cooperativado é que eles têm participação nas sobras do final do ano também tem um seguro de acidentes e uniforme. Tem uma assistente social que vem aqui dar apoio pra eles. Muitos tem problemas de vício, drogas e bebida. Alguns viveram muito tempo na rua, e muitos são desgarrados da família. Nós tínhamos também uma sala de aula porque muitos não tem estudo. Mas como existia uma evasão muito grande, a gente resolveu não dar continuidade e esse programa. Também são feitas palestras sobre alcoolismo e drogas pela assistente social.”
_Os restaurantes participam das reciclagens de que forma?
“Alguns entregam o material pra gente e outros negociam com os catadores no próprio restaurante e vendem pra gente. Os catadores procuram o melhor preço, porem alguns catadores são fieis.”
_Qual o preço do quilo da latinha?
“ Aqui tá três Reais”
_Qual a média de produção deles?
“Eles tiram por mês cerca de 600 Reais, mas alguns ganham mais e outros bem menos. Tem catador aqui que chega a tirar 3000 mil reais por mês enquanto outros fazem 100 Reais. Depende da força de vontade e da ambição de cada um, já que eles não têm horário nem dia estipulado. Para trabalhar só depende deles”.
Todo ano a cooperativa é obrigada a fazer assembléia para dizer como foi o ano produtivamente. Todos têm o direito de falar e qualquer catador pode ser eleito o presidente da cooperativa. “Qualquer um pode concorrer, porém, a maioria não quer essa responsabilidade.”
_Qual o percurso da latinha?
“Ela é levada para a cooperativa através do catador, é prensada e vendida para um intermediário que vende para a industria que realmente faz a reciclagem.”
Alô Massuca,
Visitei o seu blog e gostei do que ví. Esperto, atento, antenado e muito bom de
ler. Ótimo texto. Vou continuar com a butuca em você. Bola
pra frente e mantenha o desempeno
Alô Brasil. Gostei do seu blog... Jesus eu nem imaginava que existia um trabalho assim... e sou jornalista.
Estou a ver que por aí tem muita matéria.
Aqui em Portugal há uns anos recolhia-se cartão... mas até isso caiu em desuso... agora é a autarquia (perfeitura) que recolhe.
Abraços - António
Quantos reais fazem um dolar (ou euro)?